Opinião

Caminhos para uma Indústria de GN Competitiva no Brasil com o Novo Mercado de Gás

Desafios e propostas para implementar condições para um mercado competitivo, da ampliação da demanda e viabilização da infraestrutura até o desenvolvimento da produção

Atualizado em

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  • Por Luiz Carlos Costamilan

Muito tem se debatido quanto às potencialidades e oportunidades trazidas pelo pré-sal para a indústria de gás natural (GN). Não apenas por se tratar de um novo patamar produtivo (seus volumes, sua alta produtividade, com repercussões na redução de custos, e ampliação da competitividade da fronteira geológica) mas também por abrir efetivas oportunidades de desenvolvimento energético autóctone, inexistentes no passado.

No entanto, o debate se torna mais acirrado ao serem apontados os desafios trazidos pela busca destas mesmas oportunidades, como por exemplo:

(i) como viabilizar os vultosos investimentos necessários para a monetização do GN de forma econômica?

(ii) teremos a demanda firme e necessária para garantir o escoamento de gás e a manutenção da produção de óleo?

(iii) há de se intervir nos níveis de reinjeção de gás natural nos campos?

(iv) haverá competitividade da molécula frente o mercado internacional ou outros energéticos domésticos?

Este texto traz essas questões, visando seu esclarecimento e trazendo pistas quanto aos rumos desses temas.

1 – Evolução e processo de abertura do mercado de gás natural no Brasil

Para aqueles pouco familiarizados com o setor de GN, historicamente sua expansão foi orgânica, acompanhando a elevação da produção de petróleo nacional, com saltos quantitativos quando da construção de infraestruturas para incorporação de volumes importados (e.g. gasoduto Bolívia-Brasil e terminais de regaseificação). Na medida em que os limites para o atendimento da demanda passam a não depender estritamente do que a oferta doméstica pode entregar, o país começa a se integrar gradativamente ao mercado internacional do gás natural. Além disso, ao ampliarem-se os tipos de uso do GN no país, eleva-se sua exposição à concorrência inter energética além do óleo combustível e GLP (e.g. gasolina, diesel, geração elétrica renovável, etc).

Para além da dinâmica física e comercial entre oferta e demanda, local e internacional, o setor vem amadurecendo e sua organização se transformando. As reformas promovidas pelo programa Novo Mercado de Gás - NMG, consolidadas pela aprovação da Lei 4476/20 (ainda pendente de sanção presidencial), com a ambição de construir um mercado competitivo no país, trazem consigo a perspectiva de abertura para participação de novos agentes, de criação de novos arranjos comerciais e novas condições de oferta e demanda, reduzindo os preços para o consumidor final do mercado de gás. Muitas medidas estão sendo tomadas para dar corpo a esse processo de abertura, com a implementação de regras e com o desenvolvimento da nova organização setorial, sendo o foco de grande esforço dos agentes, reguladores e poder público.

Das medidas em curso, podemos destacar o acordo entre CADE-Petrobras (Termo de Compromisso de Cessação – TCC) como um dos principais indutores para essa nova conformação. O TCC, por estabelecer os direitos, responsabilidades e prazos para ajuste e limites de atuação da Petrobras no setor de GN, orienta a necessidade de se abrirem espaços para a participação proativa dos demais agentes de mercado de forma célere. 

O TCC, por seu arrojo e abrangência, carrega consigo todos os objetivos e espírito de reformas de mercado construídos por uma série de normativas promovidas no âmbito Federal; entretanto, ele não será capaz de transformar sozinho a indústria. Medidas e iniciativas estão sendo construídas para que riscos e incertezas sejam gradualmente mitigados. 

Ao mesmo tempo em que há todo um esforço de criação e promoção de mercados, busca por maior liquidez e diversidade de agentes, o setor passa por um contexto bastante complexo de economia estagnada por um longo período, agravado pela queda recente da atividade econômica e dos preços do petróleo por motivo da pandemia.

Na linha de enfrentar tais desafios e incertezas, podemos estruturar o que deve ser feito em duas fases (“ondas”).

2 – Reorganização do setor e promoção de um mercado funcional e competitivo – Primeira Onda

Como descrito até aqui, muito vem sendo feito quanto aos marcos legais e regulatórios para dar direções ao futuro mercado de GN. No entanto, ainda há muito o que se fazer no que tange à implementação e criação de fato dessas estruturas.

Pelo lado da reorganização e implementação do mercado, a agenda da ANP é uma prova das necessidades regulatórias ainda a serem estabelecidas para que este mercado possa funcionar de forma adequada. Nos temas que se referem ao segmento ‘Transporte’, fica ainda mais evidente a complexidade de se alterarem as regras de forma a refletir o novo desenho de mercado, minorando efeitos nos contratos estabelecidos ou novos que precisem ser assinados no curto prazo.

Entretanto, há que se ter um sentido de urgência e coordenação entre os agentes. Com o término dos contratos entre Petrobras e demais produtores a partir de 2022 e os acessos às capacidades essenciais (gasodutos de escoamento, UPGN e terminais de regaseificação) através da Lei 4476/20 e das iniciativas SIE (Sistema Integrado de Escoamento) e SIP (Sistema Integrado de Processamento), haverá GN disponível para comercialização por múltiplos agentes. Esse movimento ocorrerá desde que equacionada a criação de regras para a implementação da modalidade de Entrada e Saída (Agenda Regulatória ANP) e criação de novos produtos no segmento.

As decisões do CADE, demandando que a Petrobras estabeleça os volumes a serem movimentados nos vários sistemas de transporte, demonstram que há ociosidades que podem ser recontratadas no curto prazo.

Ou seja, há GN disponível para atingir o consumidor no curto prazo, que deverá ser negociado em uma dinâmica totalmente nova (sem a Petrobras como a única fornecedora), sendo possível vislumbrar novos arranjos comerciais para a molécula, materializando a competição.

A emergência do Consumidor Livre, com a separação das atividades de distribuição e comercialização, é condição necessária para este fim. É de suma importância reconhecermos que um dos principais condicionantes do sucesso das experiências de liberalização de mercado foi a concomitância do aumento da competição tanto na oferta quanto na eliminação de barreiras para o consumo.

É importante o reconhecimento dos avanços obtidos nas regulações nos Estados de RJ, SE e AM. Os Estados que se posicionam claramente em favor da mudança devem capturar investimentos significativos.

Assim, com maior participação dos agentes (comercializando gás natural, com mais transações), o mercado poderá estabelecer seus preços, gerando liquidez e atendendo às distintas necessidades de produtores e consumidores.

Muito tem se debatido quanto às potencialidades e oportunidades trazidas pelo pré-sal para a indústria de gás natural (GN). Não apenas por se tratar de um novo patamar produtivo (seus volumes, sua alta produtividade, com repercussões na redução de custos, e ampliação da competitividade da fronteira geológica) mas também por abrir efetivas oportunidades de desenvolvimento energético autóctone, inexistentes no passado.

Se tomarmos o momento presente como aquele de definições de rumos para a indústria de GN (“Primeira Onda”), onde, incorporados os princípios do NMG, a demanda já estabelecida seria agora atendida por vários novos comercializadores, de forma resumida teríamos que endereçar justamente os desafios de:

i. Reorganização setorial (com a sanção da Lei 4476/20 e o papel fundamental da ANP na aceleração da implementação da Agenda Regulatória 2021);

ii. Efetiva oferta de capacidade de transporte firme por TBG, NTS e TAG, em termos e condições razoáveis para os novos agentes;

iii. O avanço das regulamentações estaduais removendo barreiras à implementação de um mercado livre de gás natural nos Estados;

iv. A materialização de um mercado competitivo através de negociações bilaterais diretas entre consumidores finais e comercializadores.

O sucesso em alcançar essas medidas será um fator decisivo para sustentar as decisões de longo prazo relacionadas à aprovação do desenvolvimento dos novos campos do pré-sal, algo que abordaremos na Segunda Onda.

3 – Identificando demanda e viabilizando nova oferta de GN – Segunda Onda

Não podemos perder de vista o fato de que decisões estratégicas para viabilizar a nova oferta de gás estão sendo avaliadas neste mesmo momento, muito antes das suas respectivas decisões finais de investimento. 

Nesse segundo momento, teremos, para os novos campos, o processo de definição dos projetos de desenvolvimento, onde as empresas de E&P focam seus esforços na busca por soluções econômicas mais competitivas, que permitam a exploração e produção de petróleo e gás natural e, assim, produzam o maior valor global ao projeto (Valor Presente Líquido - VPL). Quanto melhor o resultado, maiores serão os benefícios para todos os envolvidos: companhias, governos federal, estaduais e municípios. Sugestões quanto a delimitar volumes disponíveis (através de medidas visando intervir em níveis de reinjeção de gás natural nos campos) ou subsidiar infraestruturas que não se justifiquem economicamente, devem ser afastadas desse processo, pois se contrapõem justamente ao foco principal de desenvolvimento produtivo e economicamente sustentável onde todos ganham. 

Num cenário de preços deprimidos de óleo e gás natural, com as empresas revendo orçamentos e priorizando seus portfólios, a interferência na busca da solução ótima dessa equação econômica pode afetar sobremaneira a competitividade do setor de E&P no país, reduzindo a atratividade de investimentos. 

Há disponibilidade de GN para oferecer ao mercado com o desenvolvimento do pré-sal, sob as condições econômicas e competitivas trabalhadas na Primeira Onda. Um projeto economicamente sub-ótimo prejudica a todos. Podemos citar alguns exemplos disso:

  • áreas como a de Libra (hoje, campo de Mero) apresentam grandes quantidades de CO2, onde tratar o GN para remoção do contaminante implica em redução da capacidade de processamento no FPSO, impactando decisivamente no valor do projeto, numa clara solução sub-ótima;
  • há de se considerar a importância da reinjeção como uma das boas práticas da indústria visando o aumento do volume a ser recuperado num campo de petróleo. Cada ponto percentual de aumento de fator de recuperação em Lula, por exemplo, representa um campo “novo” de 250 milhões de barris, novamente gerando valor.

Em havendo oferta disponível, é absolutamente imprescindível identificar demandas em escala e com previsibilidade para absorver os volumes e viabilizar novas ofertas de GN. 

Na medida que as opções de destino ao GN tornam-se mais claras, havendo uma equação econômica justificada, o produtor será o primeiro a buscar a viabilização dos projetos com foco no valor.

São reconhecidos os diversos esforços de identificação de demandas potenciais de GN por parte do BNDES e EPE. Num trabalho recentemente publicado, o BNDES identificou demandas potenciais superiores a 40 milhões de m3/dia, principalmente nos setores de fertilizantes e siderurgia. 

Dentre as tarefas a serem perseguidas para o desenvolvimento do mercado de GN, a identificação de demandas firmes talvez seja a mais complexa. 

Existindo a disponibilidade do GN, na medida que forem identificados projetos âncora com escala apropriada, em horizontes de tempo e condições comerciais adequadas, criam-se as bases para a viabilização das infraestruturas essenciais (escoamento, estocagem e processamento de GN). Essas infraestruturas, para atingirem sua economicidade, precisam ser compatíveis com a geração de demanda. A título de exemplo, para movimentar 15-20 milhões de m3/dia são necessários entre US$1,5 - 2,0 bilhões de investimento em infraestrutura de escoamento e processamento! Ao imaginar que, com esta ordem de investimentos, poderíamos inverter as etapas (primeiro a infraestrutura, depois a demanda), estamos na realidade criando dificuldades para atrair investidores, levando ao caminho dos subsídios (cruzados ou não) e perda de eficiência econômica. 

Diferentemente do que aconteceu no Projeto Bolívia-Brasil, onde a substituição do consumo industrial de óleo combustível e GLP nos 6 estados atendidos ancorou o projeto, o que se necessita agora é viabilizar o surgimento de novas demandas competitivas e de grande capacidade de consumo. Mercados marginais - residencial, comercial e transporte pesado [corredores azuis] e urbano através de tecnologias de GNL e GNC - seriam beneficiados através da redução de custos proporcionada pelos ganhos de escala.

4 – Considerações Finais

Em resumo, de forma célere, é hora de implementar as condições que viabilizem o mercado competitivo, de ANP e Agências Estaduais produzirem as regulações necessárias, completando a Primeira Onda. Na Segunda Onda, é imprescindível focar na identificação e desenvolvimento de âncoras de consumo que viabilizem a nova infraestrutura e projetos de desenvolvimento da produção. A construção de um setor de GN moderno e dinâmico irá depender da consistência e efetividade de cada uma dessas duas frentes.

O foco da abertura para um mercado competitivo, assim como ocorreu no segmento de E&P, merece ser estendido ao resto na indústria de GN, com efeitos chegando aos consumidores. Neste contexto, a regulação surge para cobrir falhas de mercado associadas aos monopólios naturais (redes) e garantir estabilidade jurídica, que influenciem a melhor decisão econômica de seus agentes num ambiente concorrencial.

De fato, o maior aproveitamento do GN no país se dará mediante a avaliação de seus custos e benefícios e deverá ter em conta a ampla disponibilidade de recursos energéticos e alternativas de importação que competem com o GN doméstico.

 

Luiz Carlos Costamilan é formado em Engenharia Mecânica pela UFRGS e possui um MSc em Engenharia de Petróleo pela Colorado School of Mines, Golden, Colorado,Estados Unidos. É sócio da LC2 Consultoria, onde faz advisory no setor de energia (óleo e gás) para clientes no Brasil e no exterior, e membro do CA da Enauta como conselheiro independente. É também Consultor Senior da McKinsey&Co e Operating Partner da Advent International (private equity). Presentemente, Costamilan é diretor executivo de Gás Natural do IBP, depois de ter atuado no Grupo BG por 9 anos, onde foi presidente da BG Brasil e da BG Cone Sul. Antes de se juntar à BG, Costamilan trabalhou na Petrobras por mais de 23 anos, onde ocupou diversos cargos seniores, incluindo gerente executivo de Novos Negócios, gerente executivo do Desenvolvimento do Gasoduto Bolívia-Brasil, diretor executivo de EeP e VP executivo da Braspetro. Costamilan participou de CA de diversas companhias no Brasil e no exterior.

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