Opinião

Gás para todos: a renegociação do acordo Brasil-Bolívia

As maiores possibilidades de oferta de gás natural para o mercado brasileiro serão de gás advindo do pré-sal; do fornecimento da Bolívia; da importação de GNL; e de Vaca Muerta na Argentina

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A abertura do mercado de gás brasileiro traz à tona a discussão sobre os potenciais gasíferos disponíveis para o país, sejam oriundos de produção nacional ou gás natural importado. Ao que parece até agora, as maiores possibilidades de oferta de gás natural que estarão disponíveis para o mercado brasileiro são o gás advindo do pré-sal; o fornecimento de gás da Bolívia; o gás via importação de GNL; e o gás de Vaca Muerta na Argentina. Além do potencial de fornecimento do gás, o preço da molécula é um fator relevante para o mercado, pois pode torná-lo inacessível.

Dentre essas potenciais fontes, o gás natural vindo a partir do contrato da Bolívia merece especial atenção, tendo sempre um papel importante, pois foi a partir desse gás importado que o mercado de gás natural nacional começou a se desenvolver, sendo a primeira chance de importação de gás do Brasil além de poder dar flexibilidade na entrega de gás para um país com dimensões continentais. 

Como mostrado no Gráfico 1, até outubro de 2019, a importação do gás natural da Bolívia sempre foi a maior parcela de importação, contabilizando por 65% de todo o gás importado para o Brasil no ano passado.

Gráfico 1: Oferta total de gás natural no Brasil (em MMm³/dia)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MME.

 

O contrato firmado entre a Petrobras e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) em 1997 fez início a uma parceria que alavancou a expansão do gás natural no Brasil. Desse acordo surgiu, com início da operação em 1999, o Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL), iniciando o suprimento do gás natural boliviano para o consumo brasileiro. O gasoduto, que foi financiado pela Petrobras, é operado pela Gas Transboliviano S.A. – GTB, na sua parte boliviana, e pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. – TBG, na parte brasileira.

Até o fim de 2019, havia sido estabelecido um volume de importação de 30 milhões de m3/dia, do tipo take-or-pay, com obrigação de pagamento mínimo de 24 milhões de m3/dia, ou seja, a Petrobras era obrigada a fazer o pagamento mínimo, mesmo que a quantidade paga não fosse utilizada, logo, por conta do tipo de contrato estabelecido, a YPFB tem a obrigação de entregar volumes pagos e não entregues.

Para a entrega deste volume de gás natural acordado, haviam quatro contratos de transporte de gás em vigência, sendo que entre eles, o maior era o TCQ (Transportation Capacity Quantity), com capacidade de 18 milhões de m3/dia e vigente até o dia 31 de dezembro de 2019. Com o fim desse contrato, aconteceu em março de 2019 o início da Chamada Pública da TBG para contratação da capacidade, porém com o questionamento do monopólio feito pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, houve o pedido de suspensão temporária, com base no Termo de Compromisso de Cessação (TCC) estabelecido entre a Petrobras e o órgão antitruste.

Para a retomada da Chamada Pública, foi celebrado em dezembro de 2019 um termo de compromisso entre a ANP, a TBG e a Petrobras, em que tendo em vista a instabilidade política na Bolívia, e de acordo com o comunicado da ANP, o “termo obrigará a Petrobras a renunciar a capacidade de transporte que exceder o volume de gás natural indicado no item 2.5.4 do TCC, e determinará a realização de nova Chamada Pública pela ANP, em momento que a Agência julgar oportuno, para contratação da capacidade de transporte renunciada pela Petrobras”. O acordo também proíbe a Petrobras de entrar nessa nova Chamada Pública.

O resultado da Chamada Pública de 2019 foi que a Petrobras acabou contratando uma capacidade de entrada de 18 milhões de m3/dia para 2020 e de 8 milhões de m3/dia para 2021, e a Gerdau Aços Longos contratou volume de saída de 8,5 mil m3/dia para 2020. Apesar de também estar aberta, não foi contratado nenhum volume para o período de 2022 a 2024, por nenhuma empresa.

Porém, de acordo com a ANP e em vigor com o termo estabelecido com o Cade, que havia determinado que a capacidade firme contratada deveria ser de 8 milhões de m3/dia, logo destes 18 milhões de m3/dia contratados, a Petrobras, deverá se desfazer de 10 milhões de m3/dia, abrindo assim volume excedente para nova licitação.

Fora esse volume contratado, em janeiro deste ano, a TBG iniciou uma Chamada Pública Incremental, que apresentou solicitações não vinculantes por capacidade de entrada de 38,7 milhões de m3/dia e 29,5 milhões de m3/dia de capacidade de saída. O volume excedente do novo contrato da Petrobras, a princípio, será licitado junto com está Chamada Pública Incremental.

Além da instabilidade política em que vive a Bolívia (que terá novas eleições realizadas este ano), um outro ponto que pode ter afastado solicitantes da Chamada Pública de 2019 pode ter sido o preço do gás natural vindo da Bolívia, pois o preço do GNL importado está sendo muito competitivo nos últimos meses (Gráfico 2), precificado a US$ 3,84 por milhão de Btu em outubro de 2019, enquanto o gás via GASBOL estava a US$ 8,24 por milhão de Btu (Tabela 1). Logo, podemos ver que o fator preço vira uma decisão estratégica.

Gráfico 2: Histórico comparativo de preço de gás natural (em US$/MMBtu)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MME e Banco Mundial

 

Tabela 1

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ANP, FGV, MME e PWC, 2019

 

O desfecho da Chamada Pública de 2019 da TBG com apenas a Petrobras e a Gerdau Aços Longos contratando, mostrou um sentimento pessimista sobre o Novo Mercado de Gás, porém o resultado da etapa de solicitações da Chamada Pública Incremental em 2020 mostra que há sim interesse de outras empresas na abertura do mercado, principalmente para entregar gás para os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Além disso, há interesse da petroleira boliviana YPFB de usar o GASBOL para vender gás para outras empresas no Brasil. A empresa já recebeu autorização do MME para exportar gás natural no volume de 1,2 milhão de m3/dia em 2020, subindo para 2,6 milhões de m3/dia em 2021 e se estabilizando em 3,6 milhões de m3/dia até 2024. O ponto de entrega do gás será no Mato Grosso do Sul, abrindo assim oportunidades para mercados consumidores no estado.

A adesão de empresas diferentes da Petrobras na Chamada Pública da TBG é fundamental para o sucesso do Novo Mercado de Gás, pois irá criar competição, levando assim a queda dos preços do gás natural.

E vale lembrar que apesar de ter que se desfazer de 10 milhões de m3/dia, a Petrobras ainda deverá receber da YPFB os volumes de gás contratados, porém não recebidos, de acordo com o contrato take-or-pay. Este volume é de 0,04 trilhões de pés cúbicos e poderá levar até três anos para ser consumido.

 

[1] Preço do gás de Vaca Muerta para o mercado Argentino.

[2] Breakeven do gás do pré-sal pode variar bastante, devido aos custos de transporte (por causa da distância entre o site de produção e a costa), por conta do teor de CO2, entre outros fatores.

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