Opinião

Mudanças no setor de gás natural precisam de visão sistêmica

Uma das razões para que o Brasil esteja longe do seu potencial é a limitada concorrência na cadeia, principalmente na oferta de gás natural no city gate, que inibe a entrada de novos ofertantes.

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O gás natural será a principal fonte de energia primária ainda neste século, em uma transição do sistema global de energia para um crescimento econômico cada vez mais sustentável, aponta estudo realizado pela consultoria Strategy&/PwC para a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (ABEGÁS).

O mesmo estudo demonstra que outros países que evoluíram seu mercado de gás natural seguiram uma lógica de mercado de incentivo à ampliação da oferta e, consequentemente, da competição. As principais características observadas em mercados maduros como Estados Unidos, Noruega, Grã-Bretanha e Itália são o foco em inovações, comercialização, sofisticação das transações e segurança jurídica.

Nos melhores casos internacionais, o marco regulatório foi fundamental no processo de liberalização do setor, definindo as diretrizes para o aumento da competição, da oferta e fortalecimento dos reguladores. E as políticas de governo, órgãos reguladores e organismos antitruste tiveram papel fundamental no processo de liberalização do setor de gás, desenvolvimento e manutenção de um ambiente propício para a concorrência.

No Brasil, apesar do crescimento recente – fruto do investimento na expansão das redes de distribuição –, a penetração do gás natural na matriz energética ainda é muito baixa, principalmente em comparação a outros países com características semelhantes. De acordo com o levantamento da Strategy&/PwC, o País está em 38º lugar no ranking mundial no consumo de gás natural, com 12% de participação na matriz energética.

Uma das razões para que o Brasil esteja longe do seu potencial é a limitada concorrência na cadeia, principalmente na oferta de gás natural no city gate, onde a ausência de políticas adequadas para o acesso à infraestrutura de escoamento da produção, tratamento e transporte inibe a entrada de novos ofertantes.

Como representante de um importante elo da cadeia da indústria de gás natural brasileira, a ABEGÁS defende que o gás natural seja visto como uma alternativa energética estratégica para o crescimento do País, que precisa retomar sua atividade econômica e gerar renda e empregos.

Para isso, entendemos ser preciso implementar um novo modelo setorial, que desenvolva o setor de um modo que integre todos os elos da cadeia — da exploração e produção ao escoamento e tratamento da produção, incluindo o transporte e a distribuição.

Seria impossível pensar em um novo modelo sem analisar os desdobramentos do movimento de venda de ativos da Petrobras. A empresa ainda preserva imensa participação em toda a cadeia de gás (produção, importação e comercialização) e é importante repensar a estratégia de venda desses ativos, cujo foco deveria ser a elevação da concorrência no setor.

É justamente em função dessa dominância que qualquer passo da Petrobras nesse processo de revisão do modelo acaba impactando todo o setor, inclusive o de distribuição de gás natural e, principalmente, os consumidores finais.

Um exemplo disso, apenas ilustrativo, é a proposta de mudança na lei que permitiria o atendimento direto pela Petrobras às refinarias, plantas de fertilizantes (Fafens) e termelétricas, sem o pagamento de tarifa às concessionárias estaduais.

Caso tal proposta venha a prosperar, a receita e os investimentos das distribuidoras ficariam comprometidos. Essa medida poderia onerar a tarifa em até 200% para os demais consumidores, não só residenciais e comerciais, mas também para as indústrias que não tenham acesso a gasodutos de transporte – benefício que a Petrobras possui.

Todo passo do processo de desinvestimentos da Petrobras, portanto, deve ser feito à luz do interesse do País. E, para o Brasil, é estratégico incentivar a expansão das redes de distribuição e estimular a eficiência das distribuidoras de gás natural.

Na estimativa do estudo encomendado pela ABEGÁS, a partir do histórico de investimentos das distribuidoras, essa expansão pode gerar um aporte de US$ 10,5 bilhões nos próximos dez anos e de aproximadamente US$ 27 bilhões, considerando importação e transporte de gás natural.

Imagine a repercussão positiva desse investimento em infraestrutura para a geração de empregos e para o aumento do PIB do País nos próximos anos?

Além disso, a expansão poderia levar a praticidade, a eficiência, a produtividade e a oportunidade de desenvolvimento energético autossustentável do gás natural a cada vez mais consumidores, instalando esse ativo em mais bairros e cidades do interior, atendendo indústrias e melhorando sua eficiência. O crescimento elevaria a autonomia energética dos Estados e do País, reduzindo a dependência da rede de energia elétrica, diminuindo o uso de combustíveis mais poluentes e contribuindo para atrair ou manter negócios nessas localidades.

Por isso, acreditamos ser necessária uma evolução das regulações estaduais para dar mais segurança aos consumidores livres, em alinhamento às diretrizes firmadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e, principalmente, aos interesses do País, para que essa regulação estadual esteja de acordo com os investimentos de todos os agentes e seja gerida com segurança jurídica e regulatória provida por agências reguladoras estaduais fortes, técnicas e independentes.

Também vemos como essencial a revisão dos entraves tributários. Hoje, um dos principais desafios relativos à importação de gás natural é a indefinição jurídica sobre o Estado competente para a exigência de ICMS relativo à importação. Outro fator, igualmente importante e que representa uma barreira à livre circulação do gás natural no território nacional, tem relação com a disparidade de alíquotas de ICMS aplicáveis nas operações internas, interestaduais e de importação de gás natural, o que acarreta acúmulo de créditos de ICMS.

Há muito a ser adequado. Mas, para um País que precisa atrair investimentos, o fundamental é implementar não uma agenda que atenda pontualmente a interesses setoriais, mas pautada por uma visão sistêmica, que priorize decisões economicamente eficientes e que gere benefícios para o setor e para a sociedade, formando um ambiente regulatório e econômico estável e previsível, que permita projeções confiáveis de retorno e investimentos.

Na nossa visão, a prioridade é discutir a venda dos ativos da Petrobras e a necessidade de os agentes suprirem o mercado a partir dessa saída.

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